Mais de meia década após a descoberta, as vítimas da maior fraude financeira da história ainda tentam se recuperar das perdas decorrentes da pirâmide criada pelo americano Bernard Madoff, calculadas em US$ 65 bilhões em todo o mundo. No Brasil, uma pessoa lesada pelo esquema está perto de recuperar o dinheiro investido. Uma decisão em segunda instância do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) condenou o Itaú Unibanco a ressarcir uma cliente do segmento private pelos prejuízos ocorridos com o fundo estrangeiro fraudulento. Ainda cabe recurso.

Segundo o acórdão proferido em 7 de agosto e publicado no diário oficial no dia 14, o banco terá de devolver o valor investido pela cliente, atualizado hoje em R$ 355 mil. Na sentença, o desembargador Roberto Mac Craken, relator designado ao processo, faz a distinção entre risco inerente ao mercado financeiro e fraude, como a ocorrida no caso. Conforme o texto da decisão, “o risco não se equivale com a fraude”.

No despacho, o desembargador chama a atenção para o fato de que “não procedeu o apelado [o banco] de maneira prévia e competente, insista-se, na verificação da lisura do já referido fundo, obrigação esta insuperável para aqueles que se colocam no mercado como competentes gestores”.

Como prova de que a instituição induziu a cliente a fazer o investimento, sem ter feito a correta “due dilligence”, ou seja, a investigação completa sobre a idoneidade da gestora de Madoff e de seu fundo Fairfield Sentry, o documento da decisão reproduz um comunicado enviado pelo Itaú à cliente, em que o gerente informa: “Paralelamente, temos $100k [US$ 100 mil] disponíveis em caixa e gostaria de aproveitar esta oportunidade que surgiu por aqui, vale bastante a pena. Recebemos capacidade para nova captações para o fundo Fairfield Sentry, sem sombra de dúvidas um dos melhores (senão o melhor) hedge funds do mercado”. Na mensagem, o banco ainda apresenta Bernard Madoff como o “papa dos hedge funds” e lista diversos números positivos do histórico de ganhos da suposta carteira, como o retorno positivo mensal “em 92,5% das vezes – somente 14 meses negativos dentre um total de 192 meses”.

Para o representante da cliente no caso contra o Itaú, Paulo Iasz de Morais, sócio do escritório Morais, Donnangelo, Toshiyuki e Gonçalves, a decisão pode se tornar um precedente jurisprudencial importante em outros processos semelhantes. “É a primeira decisão em segunda instância sobre esse assunto. O potencial de recurso agora fica menor”, afirma.

O próximo passo na disputa judicial, se o Itaú resolver contestar a decisão, seria o banco entrar com embargos infringentes, pois o acórdão não foi unânime, afirma Morais. O processo pode ainda ser encaminhado posteriormente ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e até mesmo ao Supremo Tribunal Federal (STF). Procurado pela reportagem do Valor, o Itaú disse que não iria se manifestar sobre o assunto.

A instituição já havia sido condenada em primeira instância em outro caso em maio de 2011. Na ocasião, o TJ-SP deu ganho de causa a um investidor que alegava ter sido induzido por um gerente do BankBoston, adquirido pelo Itaú em maio de 2006, a investir R$ 200 mil no fundo de Madoff. O recurso ainda aguarda julgamento.

Em dezembro de 2008, a CVM se posicionou sobre o caso. Em reportagem do Valor à época, o então superintendente de registro da autarquia, Carlos Alberto Rebello, afirmou que a regulação brasileira exige informações mínimas sobre as operações realizadas pelos fundos, como a alocação da carteira, os níveis de alavancagem, os fatores de risco, entre outros. Além disso, segundo ele, responsabiliza o custodiante de verificar a confiabilidade das operações realizadas dentro do fundo, assim como assegurar que os ativos em carteira realmente existem.

No exterior, as instituições financeiras têm fechado acordos com clientes. O Santander conseguiu acertos com 94% dos 4 mil dos lesados pelo esquema, nos quais trocou valores investidos por ações preferenciais do banco. Nos EUA, o administrador judicial do caso Madoff, Irving Picard, já conseguiu reaver, com ajuda dos tribunais, US$ 14 bilhões para as vítimas da pirâmide. Entre os acertos, o J.P. Morgan Chase concordou em janeiro deste ano a pagar US$ 2,6 bilhões para encerrar acusações de que falhou ao monitorar as atividades do fraudador.

Por: Sérgio Tauhata | São Paulo 18/08/2014